Dimensões político-imaginárias da atuação dos públicos – REFERENCIAIS TEÓRICOS
  1. O público dos museus de arte na Europa [Pierre Bourdieu &
  
  Alain Darbel. L’amour de l’art, originalmente publicado em 1966-
  
  69];
  2. Uma história das reações [David Freedberg. The power of
  
  images, 1989]
  3. A produção dos consumidores [Michel de Certeau. A invenção
  
  do cotidiano, 1990];
4. Contranarrativas [Henry Giroux et al. Counternarratives,1996]
  5. Rejeições à arte contemporânea [Nathalie Heinich. L’art
  
  contemporain exposés aux rejets, 1997];
  6. Os contrapúblicos [Michael Warner. Publics and counterpublics,
  
  2002];
  7. As reapropriações dos visitantes [Ligia Dabul. O público em
  
  público, 2005];
  8. Práticas culturais emergentes em meio às juventudes urbanas e
  
  interconectadas [Néstor G. Canclini et al. Jóvenes, culturas
  
  urbanas y redes digitales, 2012];
  9. As práticas dos visitantes [Andrew Dewdney et al. Post-critical
  
  museology, 2012];
  10. O lugar do público [Jacqueline Eidelman et al. O lugar do
  
  público, 2014].
  Embora derive de pesquisas no terreno da mediação cultural – particularmente,
  
  entre as artes e a educação –, a pesquisa que propomos realizar – e que, nesta
  
  etapa, assume a necessidade de revisar algumas referências bibliográficas1 –, de
  
  certo modo, inscreve-se naquilo que a Museologia, entre outras áreas, chama de
  
  Estudos de Público (Visitor Studies). Nesse terreno, os públicos têm sido
  
  identificados, invariavelmente, a uma espécie de suporte – alegadamente
  
  beneficiário – das ações institucionais. Isso significa que eles existem, para a
  
  instituição, segundo categorias e espaços de atuação por ela outorgados (inclusão,
  
  participação, etc.), a partir do que ela concede (ou nega). Na medida em que
  
  assimila, para sua própria afirmação, o externo ao interno, o imprevisto ao
  
  controlado, o estranho ao conhecido, etc., esse habitus (metanarrativo) – que
  
  informa discursos e práticas institucionais – implica uma vontade de
  
  autoconservação e autorreprodução, que as instituições em geral têm dificuldade
  
  para (ou deliberadamente não querem) relativizar, muito menos questionar.2 Ao
  
  mesmo tempo, os públicos naquele terreno têm sido considerados como uma
  
  empiria, isto é, como algo existente a priori (pessoas, estudantes, famílias, etc.),
  
  anteriormente à instituição. Mas o entendimento de que eles existiriam a priori e,
  
  simultaneamente, da forma postulada pelos discursos institucionais, indicia
  
  contradições que, talvez, ainda não foram suficientemente desdobradas.
  Certamente, tais contradições (algo dialéticas) têm sido úteis à autoconservação das
  
  instituições. Elas precisam conceber os públicos como existentes a priori, isto é,
  
  independentemente da instituição, para que a atuação dos públicos, supostamente
  
  autodecidida, confunda-se com aquilo que existe a partir da instituição, do que ela
  
  postula ou projeta. Para ganhar adeptos e se reproduzir, ela não poderia
  
  simplesmente afirmar seus interesses particulares – inclusive porque, muitas vezes,
  
  é substancialmente subvencionada por recursos públicos. Desse modo, ela precisa
  
  confundir seus interesses particulares com interesses públicos ou sociais. Mais do
  
  que isso, deve tornar-se porta-bandeira destes interesses. Mas isso não significa,
  
  necessariamente, transformar seus próprios interesses em interesses públicos e
  
  sim, apresentá-los como tal. É o que, de forma mais clara, fazem as empresas,
  
  quando afirmam gerar empregos. Os públicos, portanto, do ponto de vista da
  
  instituição, ocupam um lugar decisivo nessa operação. Eles são o lastro da sua
  
  credibilidade pública. Sendo assim, aquela contradição não pode se explicitar. A
  
  diferença entre um público pré-concebido e um público empírico deve ser
  
  minimizada. Do mesmo modo, isso não significa, necessariamente, ampliar as
  
  concepções de públicos e sim, ampliar as parcelas da população que serão
  
  reduzidas às concepções de públicos previamente determinadas.3 Noutros termos,
  
  uma certa reciprocidade (postiça) entre essas instâncias deve prevalecer. Afinal, é
  
  dessa reciprocidade que as instituições obtém sua (falsa) legitimidade.
  Em suma, tal contradição desreconhece a capacidade de os públicos se autoorganizarem,
  
  seu caráter de alteridade heterogênea, sua irredutibilidade a
  
  categorias prévias (institucionais), etc. Há, porém, um problema talvez mais
  
  intrincado: Por que as instituições não se prestam a representar interesses
  
  decisivamente públicos? É possível concebermos (e compartilharmos) outras
  
  ambições, para além de uma vontade de poder? Antes disso, o que são interesses
  
  públicos? Certamente, as respostas para essas questões, “acima dos interesses de
  
  grupo”, são cada vez menos coesas. Tal situação está associada a pelo menos dois
  
  outros fenômenos: a multiplicação das contranarrativas (Giroux et. al, 1996) e o
  
  esgarçamento do tecido social – fenômenos que, em termos políticos, num primeiro
  
  momento se opõem, ao mesmo tempo em que se reforçam. Nesse contexto, as
  
  minorias e o pluralismo ganham espaço, assim como as xenofobias e o
  
  conservadorismo. Neste ponto, os problemas relativos às instituições culturais nos
  
  parecem análogos aos problemas das instituições políticas, em sua crise de
  
  representatividade. Particularmente no Brasil, é flagrante neste momento o empenho
  
  autopreservacionista de um sistema político retrógrado, sobre o qual pesa uma
  
  descrença e desconfiança generalizadas.4 Cabe salientar que a ruptura democrática
  
  que vivemos,5 com a consumação de um golpe parlamentar – que cassou o
  
  mandato de uma presidenta eleita, forjando politicamente os crimes de
  
  responsabilidade que ela teria cometido6 –, não decorre de um levante
  
  extrainstitucional. Ao contrário, nesse contexto, a participação popular e as
  
  demandas sociais estão sendo cada vez mais cerceadas e perseguidas.7
  Mas o que se passa nas instituições culturais é, talvez, menos evidente. Nos últimos
  
  anos, algumas instituições brasileiras – é o caso, notadamente, do Itaú Cultural,
  
  ligado a um dos maiores bancos privados do país, e do Sesc São Paulo, ligado às
  
  entidades patronais do comércio – têm demonstrado um crescente interesse pelos
  
  Estudos de Públicos, por meio da realização de publicações, seminários e pesquisas
  
  a respeito dessa questão.8 As pesquisas, de um modo geral, declaram um interesse
  
  por delinear o perfil dos novos consumidores culturais; por compreender o uso que
  
  fazem do tempo livre; seus hábitos, comportamentos e práticas. Todavia, remetem
  
  suas produções a categorias tradicionais de arte e cultura (cinema, exposições,
  
  literatura, música, teatro, etc.), ignorando uma diversidade de manifestações
  
  expressivas – escrachos, gifs, hashtags, memes, ocupações, rolezinhos, saraus,
  
  transições de gênero, vlogs, etc. –, que talvez fossem mais significativas das
  
  dinâmicas culturais emergentes. Segundo Bourdieu (2002), as problemáticas que se
  
  impõem às pesquisas de opinão estão “profundamente ligadas à conjuntura e
  
  dominadas por um certo tipo de demanda social”. Mas qual será a demanda desta
  
  vez?
  Nossa hipótese deve ser melhor investigada, mas o interesse dessas pesquisas por
  
  delinear o perfil dos consumidores, antecipar seu comportamento e, noutro plano,
  
  disponibilizar informações para seus clientes, “[…] para que tomem decisões
  
  estratégicas com segurança e pleno conhecimento das áreas em que estão
  
  investindo” (Leiva, 2014), não parece interessado em negociar com suas atuações
  
  extrainstitucionais, eventualmente contrapúblicas. Nesse contexto, os Estudos de
  
  Públicos parecem empenhados em, mais simplesmente, reafirmar a credibilidade
  
  das instituições, conferindo-lhes uma nova hegemonia, em meio às dinâmicas
  
  culturais que parecem desafiá-las. Mas por que as instituições culturais,
  
  diferentemente das instituições políticas, não se propõem como o lugar em que os
  
  interesses públicos são concreta e experimentalmente negociados? Tais dinâmicas
  
  devem ser percebidas em decorrência da popularização dos meios de produção e
  
  comunicação digitais, mas também do processo de mobilidade social experimentado
  
  nos últimos 15 anos, que – ao menos por um tempo – permitiu uma nova posição
  
  social, talvez uma nova «autoconfiança», a pelo menos 30 milhões de brasileiros
  
  (Souza, 2012). Certamente, é preciso agora considerar o impacto, nessas mesmas
  
  dinâmicas, da crise econômica que se estabeleceu no país a partir de 2015,
  
  justificando o corte de inúmeros programas sociais e políticas públicas.
  É claro, não se deve recusar o fato de que, em certa medida, o público existe para
  
  as ações institucionais, considerando que essa concepção perpassa o próprio
  
  significado da palavra “público”, por exemplo, enquanto audiência. Desse modo, os
  
  espectadores existem para o espetáculo, assim como o espetáculo – porque espera
  
  chamar atenção – existe para o espectador. Todavia, uma significação mais
  
  nuançada da palavra se encontra no livro Publics and counterpublics, originalmente
  
  publicado em 2002, por Michael Warner. Nele, o público não se refere a um grupo
  
  de pessoas compartilhando um mesmo tempo e espaço – como no caso de
  
  “audiência”, “multidão”, etc. –, muito menos a um tipo de totalidade social – como no
  
  caso de “povo”, “nação”, etc.–, mas a um público que “somente vem a ser em
  
  relação aos textos e sua circulação” (Warner, 2010: 66) – um público discursivo (a
  
  text public), cujas operações (materiais e imaginárias) não são facilmente
  
  presumíveis. O autor considera haver sete premissas definidoras da ideia moderna
  
  de público: (1) um público é uma instância que se auto-organiza; (2) um público é
  
  uma relação entre desconhecidos; (3) o destinatário de um discurso público é
  
  simultaneamente pessoal e impessoal; (4) um público é constituído meramente pela
  
  atenção; (5) um público é o espaço social criado pela circulação reflexiva do
  
  discurso; (6) os públicos atuam historicamente segundo a temporalidade de sua
  
  circulação; (7) um público é a feitura de um mundo poético.
  Uma primeira constatação a partir dessas premissas diz respeito ao fato de que os
  
  públicos não coincidem com as pessoas. Isto é, os públicos não são constituídos por
  
  pessoas, como nos leva a pensar a noção burguesa de esfera pública. Também,
  
  como nos levam a pensar as concepões de públicos mantidas em geral pelas
  
  instituições culturais – o que é muito perceptível na recorrente totalização dos
  
  públicos pelas categorias “público agendado” e “público espontâneo”. Segundo
  
  Warner (2010: 67), porém, um público é um espaço discursivo, organizado por nada
  
  mais que o próprio discurso. “Ele existe em virtude de ser endereçado”. Portanto,
  
  não existe a priori, uma vez que precisa ser endereçado por um discurso. Tampouco
  
  existe de forma exclusivamente determinada pela instituição, uma vez que o
  
  discurso se refere a uma instância imaginária de recepção que lhe é estranha. Logo,
  
  ele existe numa certa circularidade, num espaço de circulação de referências que se
  
  concatenam, ou melhor, que interagem entre si. Porém, diversamente daquela
  
  contradição, que sustenta a existência dessas duas instâncias (públicos a priori e
  
  públicos a posteriori) sob uma aparência de reciprocidade, esse um público,
  
  segundo Warner, encontra-se marcado por uma atividade própria, na relação com a
  
  instituição. Trata-se de uma instância performativa, constituída não pela
  
  correspondência entre aquilo que é projetado por um discurso e sua recepção
  
  empírica, tampouco por uma identidade prévia qualquer, mas pela atividade que lhe
  
  é própria, em relação ao discurso que lhe é endereçado.
  Além disso, aquilo a que se pertence, quando se pertece a um público, não
  
  configura nenhuma comunidade ou grupo social em sentido estrito. Isso porque, ao
  
  se dirigir a mim, um discurso público também se dirige a outros que não conheço, a
  
  um destinatário indeterminado. Mais do que isso, ao se dirigir a mim, não se dirige à
  
  minha identidade concreta, mas à minha identificação/desidentificação com aquilo a
  
  que o discurso se dirige; à minha identificação com aquilo que não me identifica. Ao
  
  reconhecê-lo como tal, participo de um lugar em que me desreconheço. Noutros
  
  termos, em que me reconheço como estranho a mim mesmo. Assumo uma
  
  disponibilidade para participar do que não é meu. Daí o caráter privado das
  
  metanarrativas, na sua indisponibilidade para o estranho, para essa estranheza. Daí
  
  o fato de que, embora muitas vezes se façam em nome dos públicos, as instituições
  
  desapareçam com os públicos.
  No campo dos Estudos de Públicos, o livro O amor pela arte, publicado orginalmente
  
  em 1966-69 por Pierre Bourdieu e Alain Darbel, sobre o público dos museus de arte
  
  na Europa (Espanha, França, Grécia, Holanda e Polônia) – mais particularmente,
  
  sobre as condições socioculturais da frequentação aos museus, os fatores que
  
  determinam ou favorecem essa frequentação, assim como a gênese e a estrutura da
  
  disposição às práticas culturais –, é certamente uma referência incontornável. A
  
  pesquisa, como se sabe, termina por demonstrar que não basta franquear a todos o
  
  acesso aos museus, se a “necessidade cultural” da arte (isto é, a propensão para
  
  consumir objetos de arte) não se encontra igualmente distribuída. Por conseguinte,
  
  demonstra que tal “necessidade” é socioculturalmente construída, notadamente, por
  
  processos educacionais (escolares e familiares, institucionalizados ou não) – em vez
  
  de se constituir num gosto inato, facilidade ou privilégio natural –, sendo
  
  condicionada, principalmente, pelo nível de instrução dos visitantes e,
  
  secundariamente, pela classe social, profissão, renda, educação familiar, turismo,
  
  ocasiões de visita, faixa etária, etc. Desse modo, a pesquisa provoca um
  
  deslocamento, quanto ao problema da frequentação aos museus, das políticas de
  
  difusão cultural para as condições de acesso à cultura. Sem o questionamento
  
  dessas condições, portanto, a “necessidade cultural” se encontra limitada ao ethos
  
  de uma classe social específica (culta e rica), como algo que lhe pertence por
  
  privilégio. Do mesmo modo, pode parecer que as classes populares se excluem
  
  voluntariamente; que a distribuição das “necessidades culturais” é naturalmente
  
  desigual.
  As posições de Bourdieu e Darbel são indispensáveis, enquanto persistirem os
  
  argumentos de que a arte não se ensina,9 ou ainda, de que se deve empreender,
  
  exclusivamente, políticas difusionistas, como se a oferta pudesse gerar a demanda,
  
  como se o amor pela arte se formasse espontaneamente. No entanto, prevalece aí a
  
  concepção de que os públicos são visitantes, de que existem exclusivamente para a
  
  arte. Por certo, suas posições parecem limitadas por uma teoria da informação, que
  
  condiciona a “legibilidade da arte” a uma “diferença entre o nível de emissão […] e o
  
  nível de recepção” (Bourdieu & Darbel, 2007: 77). Tal distinção termina por
  
  estabelecer uma hierarquia entre um emissor complexo, cheio de “sutilezas
  
  intrínsecas”, e um receptor desprovido dessa linguagem. Disso decorrem alguns
  
  preconceitos: a atribuição de um “gosto bárbaro” às classes populares (p. 73); de
  
  uma postura de “adaptação” ou mesmo de “reverência” às classes menos cultas, em
  
  relação a uma “prática legítima” (p. 70 e 83); a ausência do “conhecimento do estilo”
  
  como um tipo de condenação (p. 80 e 82). De certo modo, tudo isso pretende
  
  denunciar que os museus são templos destinados ao público culto. Mas isso
  
  também ignora que os públicos podem rejeitar a arte (Heinich, 2010) e que isso,
  
  mais do que uma confissão de ignorância ou inferioridade, pode ser pensado como
  
  um tipo de contestação. Deve-se admitir, todavia, que, em algum momento, os
  
  autores reconhecem certas atuações dos visitantes, particularmente, dos visitantes
  
  das classes populares: eles podem entrar no museu para, simplesmente, passar o
  
  tempo (p. 50); eles “tocam em tudo, sentam-se nas poltronas, levantam as
  
  almofadas dos canapés, abaixam-se para olhar debaixo das mesas” (p. 85-86); eles
  
  “estão bem posicionados para saber que o amor pela arte nasce de um convívio
  
  bem prolongado e não de um golpe repentino” (p. 90).
  Curiosamente, é o termo “visitante” que nos permite reconhecer atuações
  
  aparentemente alheias ao discurso institucional. Na tese de doutoramento que
  
  concluiu em 2005, intitulada O público em público, Ligia Dabul se propõe a investigar
  
  não as formas de recepção, mas as práticas e interações efetuadas pelos públicos
  
  ao longo das exposições (p. 29); o que o público faz e experimenta no tempo e
  
  espaço das exposições (p. 37); a maneira por meio da qual os visitantes dirigem sua
  
  atenção, ou deixam de dirigi-la, para as obras expostas e, mais do que isso, as
  
  variações no vetor que atualiza essa sua atenção (p. 61); como os indivíduos
  
  interagem entre eles, e não, cada um deles, com as obras (p. 113); enfocando assim
  
  os atores sociais que não são autores nem transmissores ou “responsáveis” pelo
  
  texto ou discurso produzido (p. 165-166). Para Dabul, a concepção negativa da
  
  “recepção” mascara o verdadeiro processo de reapropriação e recriação embutido,
  
  de algum modo, nas discussões sobre as diferentes experiências de “recepção” (p.
  
  96). Desse modo, os visitantes passam a ser concebidos como artesãos das suas
  
  interações e da maneira de observar as obras em exposição (p. 70); como
  
  produtores ativos de significados a respeito das exposições que freqüentam (p. 99-
  
  100).
  Dabul observa inúmeras reapropriações desses espaços por parte dos visitantes:
  
  brincadeiras (p. 163); algazarra (p. 51); o movimento de lá pra cá dentro do ônibus
  
  (p. 202); palavrões e desenhos obcenos, cuidadosamente encobertos com liquid
  
  paper (p. 76); afastamento dos monitores (p. 173); a dispersão ou a distração, não
  
  como um vazio de atividade, mas como mudança de foco (p. 141-156); conversas,
  
  no sentido de uma passagem de atenção das obras para a própria interação entre
  
  os visitantes (p. 211 e 216), etc. – uma série de atos sêmicos não voltados
  
  exclusivamente para a recepção das obras (p. 90); disposições para a comunicação
  
  e a interpretação que não se resumem ao que os objetos expostos, e ao que os
  
  textos e discursos legitimados a seu respeito, sucitam diretamente (p. 183). Sem
  
  dúvida, tal abordagem assume um deslocamento da sociologia para a etnografia. Ao
  
  mesmo tempo, pode-se pensar que parte dessas reapropriações seriam
  
  manifestadas, justamente, pelas classes populares (ou trabalhadoras) que, talvez,
  
  não mais reverenciassem o museu, se delas é ausente uma vontade por distinção
  
  social (Souza, 2012: 54-55). Nesse sentido, a pesquisa que propomos realizar se
  
  compromete com uma dimensão político-imaginária da atuação das classes
  
  populares, periféricas ou marginais nesses espaços. Outro aspecto a ser
  
  considerado diz respeito às consquências daquele deslocamento para a mediação
  
  cultural, em sua vertente educativa. Se, em seu ímpeto educacional, a mediação
  
  termina fechando os olhos para as reapropriações dos visitantes, talvez o caso não
  
  fosse “estudar os públicos” para educá-los e sim, “aprender com os públicos” para
  
  transformar as próprias instituições e o modo como nos reconhecemos por meio
  
  delas.
  
  […]
  1 São elas: (1) Pierre Bourdieu & Alain Darbel. L’amour de l’art, publicado originalmente em 1966-69;
  
  (2) David Freedberg. The power of images, 1989; (3) Michel de Certeau. A invenção do cotidiano, 1990;
  
  (4) Henry Giroux et al. Counternarratives,1996; (5) Nathalie Heinich. L’art contemporain exposés aux
  
  rejets, 1997; (6) Michael Warner. Publics and counterpublics, 2002; (7) Ligia Dabul. O público em
  
  público, 2005; (8) Néstor G. Canclini et al. Jóvenes, culturas urbanas y redes digitales, 2012; (9)
  
  Andrew Dewdney et al. Post-critical museology, 2012; (10) Jacqueline Eidelman et al. O lugar do
  
  público, 2014.
  2 Uma renomada instituição de arte paulistana, por exemplo, apresenta os catálogos do programa que
  
  desenvolve com as populações vulneráveis que frequentam seu entorno, sem perceber que tais
  
  catálogos, mais do que uma documentação do trabalho daquelas pessoas, documentam na verdade as
  
  ações da instituição em relação a tais pessoas.
  3 Eis a posição atribuída por Bourdieu (O amor pela arte, p. 18) a um partidário da ideologia
  
  carismática: “[…] ele pretendia acolher uma multidão tão grande quanto possível, contanto que fosse
  
  evitada a desordem – assim tinha necessidade de uma igreja mais espaçosa”.
  4 Segundo pesquisa publicada em 2016 <http:>, o brasileiro é o povo que menos confia
  
  em seus políticos entre as grandes economias do mundo. Em 2015, uma pesquisa realizada no Brasil
  
  mostrou uma queda vertiginosa, em comparação a anos anteriores, da confiança nas instituições
  
  políticas <http:>.
  5 Seria preciso repassar um debate relativamente extenso para esclarecer as diferentes posições que
  
  se reforçam ou se contestam quanto ao tema. Registramos aqui apenas uma dessas posições:
  
  <http:>.
  6 Ainda que a própria presidenta, em certo sentido, tenha cometido um “golpe” <http:>,
  
  na medida em que a acusação de “estelionato eleitoral” <http:> tem, certamente,
  
  alguma procedência. Obviamente, uma coisa não justifica a outra.
  7 Veja-se por exemplo a intimidação a que têm sido submetidos os secundaristas que participaram do
  
  movimento de ocupação das escolas públicas em 2015-16 <http:>.
  8 Em meados de 2011, o Itaú Cultural dedica o número 12 de sua Revista Observatório, sob a
  
  coordenação editorial de Isaura Botelho, para refletir sobre o consumo cultural e os públicos da cultura
  
  – o que, segundo a instituição, tornou-se imprescindível para a “formulação de políticas de fruição e
  
  democratização dos bens culturais”. Depois disso, em 2014, a mesma instituição, em parceria com a
  
  editora Iluminuras, publica o livro “O lugar do público”, organizado por Jacqueline Eidelman, Mélanie
  
  Roustan e Bernardette Goldstein, pesquisadoras no campo da museologia na França. Entre os dias 12
  
  e 14 de novembro de 2013, o Sesc São Paulo realizou o Encontro Internacional Públicos da Cultura,
  
  que reuniu pesquisadores, professores universitários, gestores e representantes de instituições
  
  culturais, procedentes de oito países dos continentes americano e europeu, para refletir sobre a mesma
  
  temática. Também em 2013-14, juntamente com a Fundação Perseu Abramo, o Sesc SP realizou uma
  
  pesquisa com o mesmo título: Públicos da Cultura.
  9 Ver artigo de Sheila Leirner, publicado em 23/08/16, no Jornal O Estado de São Paulo
  
  <http:>.
Referências
  BOURDIEU, Pierre. L’opinion publique n’existe pas. Em: ___. Questions de
  
  sociologie. Paris: Minuit, 2002, pp. 222-235.
  BOURDIEU, Pierre & DARBEL, Alain. O amor pela arte: os museus de arte da
  
  Europa e seu público; tradução de Guilherme João de Freitas Teixeira. 2a ed. São
  
  Paulo: EDUSP; Porto Alegre: Zouk, 2007.
  DABUL, Lígia. O público em público: práticas e interações sociais em exposições de
  
  artes plásticas. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2005. [Tese de
  
  doutorado]
  GIROUX, Henry et al. Counternarratives: Cultural Studies and Critical Pedagogies in
  
  Postmodern Spaces. New York; London: Routledge, 1996.
  HEINICH, Nathalie. L’art contemporain exposé aux rejets: études de cas. Paris:
  
  Pluriel, 2010.
  LEIVA, João (org.). Cultura SP: hábitos culturais dos paulistas. São Paulo: Tuva,
  
  2014.
  SOUZA, Jessé. Os batalhadores brasileiros: nova classe média ou nova classe
  
  trabalhadora? 2. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 2012.
  WARNER, Michael. Publics and counterpublics. Brooklyn, NY: Zone Books, 2010.
  
  </http:></http:></http:></http:></http:></http:></http:>
 
 
 

